Comentário

Depois das eleições<br>e da adopção da «constituição»

Sérgio Ribeiro
No final do Conselho Europeu, após a adopção (precária) da «Constituição Europeia», a questão do Presidente da Comissão ficou empatada, por isso teve de se ir a prolongamento e, depois, a penalties, e quem acabou por levantar a taça foi quem saiu do banco, ou das bancadas?, e vai ser capitão de equipa a prazo, só até ter de entregar a braçadeira a um dos donos da bola.

(Para(a)bola em futebolês)

Andamos, há anos, a dizer que a «construção europeia» tem crescente influência nos nossos quotidianos. E muito particularmente o dissemos nos últimos meses, com a imediata intenção de mobilizar a organização do partido para a batalha eleitoral para o Parlamento Europeu, e de levar as populações a tomarem consciência dessa influência.
Nem 15 dias passaram após as eleições e mergulharam este País numa situação de complicada crise política, a partir da indigitação de Durão Barroso, primeiro-ministro de Portugal para Presidente da Comissão Europeia, e consequente queda do governo português… em consequência de decisões «europeias» ou para a «Europa».
Aliás, importa sublinhar que, quando se perguntava, após as eleições
– quanto tempo poderia aguentar uma coligação governamental que obteve tão desastrosos resultados,
– quanto tempo poderia aguentar uma coligação governamental em que o maior partido fez um «negócio» em que só ele perdeu, com grande desespero dos seus candidatos e militantes – e são eles que apostrofam o negócio de «ruinoso» –, enquanto o menor partido, mas o mais responsável pela impopularidade do governo, nada perdeu,
– quanto tempo poderia aguentar um governo cuja política e decisões suscitavam cada vez maior contestação e luta social em cada vez mais áreas de actividade,
– quanto tempo poderiam continuar um primeiro-ministro e um ministro da defesa nacional, presidentes dos partidos coligados, a serem, em cada aparição pública, apupados e vaiados,
– quando se perguntava que fazer para provocar mudanças, sabendo-se ou adivinhando-se que o Presidente da República está com vocação para privilegiar, sobre tudo, a aparente e falsa estabilidade… a indigitação de Durão Barroso veio a tudo responder.
Foi, também, além das respostas, a «saída», embora nada airosa, e foi, para nós, o começo de uma nova batalha política, bem difícil mas que abre perspectivas de luta.
Entretanto, queria sublinhar duas das muitas preocupações:
1. A consequência política que o PCP reclama – e foi o primeiro a fazê-lo, e o único que o fez antes deste episódio de indigitação – só podia ser a de eleições antecipadas, mas não se pode deixar de ter todo o cuidado nos termos e na orientação desta batalha para prevenir que não se esteja a contribuir para “soluções” que reforcem os caminhos e as ilusões da bipolarização alternante.
2. Há um aspecto que, pela tarefa em que me encontro, trago à reflexão de todos: desde do Conselho Europeu de Amsterdão, desde 1999, a designação do Presidente da Comissão tem de passar por prévia aprovação no Parlamento Europeu, o que deverá ser feito na próxima sessão plenária, no dia 20 de Julho, pelo vai haver uma fortíssima pressão patrioteira e especulativa com o sentido de voto dos deputados portugueses, para que, e desde já, nos devemos preparar. Ora, no caso dos deputados do PCP no Parlamento Europeu, esse voto fundamenta-se e justifica-se
a) na condenação de uma política que o ainda-e-já-não primeiro-ministro português e agora tão-só designado ou indigitado Presidente da Comissão ilustra e, também,
b) nos considerandos, condições e consequências que tem, para um País como Portugal, a escolha assim feita de um presidente que é uma 2ª (ou enésima) escolha, que é uma escolha de compromisso, de transição e, salienta-se, de «ponte» para atenuar os desentendimentos euro/norte-americanos, transformando em virtude o que começou por ser um dos óbices à sua eventual propositura: o ter sido anfitrião da «cimeira da guerra», nos Açores, e ter ficado naquela fotografia.
Relativamente a toda esta questão, o Bloco de Esquerda, agora com assento no grupo parlamentar EUE/EVN embora com o estatuto de associado, já perdeu a iniciativa por mais que o conhecido e descarado apoio da comunicação social queira dar outra imagem, e o procure apresentar com outro estatuto e outras capacidades.
Neste contexto, com estes antecedentes e com os cenários que se abrem, importa encarar esta batalha com toda a responsabilidade e com toda a firmeza.
– Responsabilizando pela instabilidade quem a provoca, e não o são as eleições antecipadas mas quem promoveu e prosseguiu esta política e dela foge ou emigra quando as coisas estão a ficar mais complicadas e/ou há uma aberta.
– Denunciando o verdadeiro logro da argumentação do tipo «agora que a economia começava a retoma…» porque, se fosse esse o caso, seria o primeiro-ministro que, ao mesmo tempo que dela se vangloriava, impediria que essa mirifica retoma se confirmasse com a sua opção de ir assentar praça noutro lugar que, nestas condições, apenas a ele beneficiará.
– Não consentindo que se esconda a instabilidade política que está a ser provocada e agravada por esta queda do governo com a falácia da defesa da estabilidade que não mais faz que defender os privilégios e os benefícios de quem esta política tem estado a servir.
Os próximos tempos vão ser difíceis. Mas serão, como todos, de luta, e a vertente da luta de massas terá um papel determinante por mais que se procure confinar a crise a uma crise institucional, a resolver no estrito quadro constitucional afastado da vida real e dos problemas dos trabalhadores e das populações. Se assim acontecer, nada mais se conseguirá que adiar. O que será mau pois será apenas isso, um adiamento, com os seus custos sociais a mais deteriorarem uma situação social já difícil de suportar.



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